Tokyo Idols - Até Onde Você Iria Por Seus Ídolos?


"Nunca havia me sentido tão apaixonado por algo na minha vida. Nunca tinha visto nada parecido. Não é apenas modinha. É uma religião."

Com esta citação, se inicia "Tokyo Idols", documentário produzido pela BBC e que fez carreira em festivais até chegar, recentemente, ao catálogo cada vez mais pobre da Netflix Brasil.

O nome já dispensa apresentações sobre a razão qual o longa está a ser comentado por aqui. Mas sobre o que trata a obra, dirigida por Kyoko Miyake? Aí, a resposta está nas frases que abrem o post.

Quando você pensa no fã médio de Idols, o que lhe vem a mente? Adolescentes ou jovens adultos, de ambos os sexos, mas com uma idade jovial, compatível muitas vezes aos artistas sobre o palco e que seriam mais adequados ao estilo de música padrão deste nicho, principalmente no Japão, o foco do Documentário, onde temos grupos que apostam na padronização pueril de integrantes, músicas que evocam essa infantilidade débil e figurinos que estimulam a criação da personagem.

Não à toa, a indústria Idol pode ser descrita como um estoque de fetiches, o alimento de fantasias. Não é difícil reconhecer isto. O difícil é reconhecer que você vive isto. Estando no Brasil, como sub-nicho, já há um preconceito e uma discriminação de crescência equivalente ao sucesso do Kpop e Jpop. Mas e como é no país onde surgiu isto, o próprio Japão?

A câmera de Kyoko busca seguir exatamente este cenário, o mundo pop japonês, através de Rio Hiiragi (Twitter, Instagram), uma Idol "menor", do nível underground, longe dos holofotes do AKB48 (que fazem rápida participação para cotejo) e sua pequena, mas eufórica fanbase.

Até aí, tudo normal. Todo grupo ou celebridade forma uma pequena rede de seguidores, sejam eles o Biel, sejam eles Stephen Hawking. O grau de devoção e demonstração amorosa costuma justamente ser de acordo com o tema que se resolve acompanhar. A maior curiosidade, entretanto, está nos componentes desta fanbase de Rio. Todos homens e, via de regra, já tardios na idade adulta. O encarregado das apresentações é o líder do fandom, um nada jovem senhor de 42 anos, também responsável pelas palavras que o introduzem à leitura.

O documentário jamais assume postura alguma. Ele acompanha e escuta honestamente o que pensam e dizem seus convidados. As razões para a devoção, como se sentem apesar de sua idade, assim como a perspectiva de Rio. Em paralelo a isto, temos comentários de membros convencionais da sociedade japonesa, como uma jornalista, um sociólogo e um especialista econômico sobre a situação. O que estas pessoas dizem, não é difícil inferir, é pouco otimista.



Mesmo aqui, a construção social (não assou arrogante a ponto de dizer ser bom senso) já nos diz, implicitamente, que há algo errado. Num ethos universal construído em seus valores, muda-se o ambiente, mas a mentalidade cronológica é a mesma. Imagine você, ao chegar na sala, ver seu pai dançando ao som do RBD, em 2007? Estranhamento. Talvez passe a achar cool ter um preceptor assim. Mas e se esse pai começa a frequentar shows, participar de uma comunidade dedicada a esta pessoa, seguir tours, assistir lives e pendurar cartazes dela nas paredes da casa?

Agora, imagina você conhecer um solteirão na casa dos 40 que faz isso? Rola um olhar enviesado. Uma recriminação silenciosa? Estes são os Otakus originais,  não fãs apenas de anime, mas maníacos por algo específico que foge do gosto "normal", e com dificuldades sociais, o que leva à frustração, isolamento e culpabilização. A etiologia do termo se dá justamente na Terra das Gueixas pelas características mais alarmantes desta sociedade, tradicionalmente conhecida por seus hábitos conservadores e a pressão social por sucesso, o que pode criar personalidades subjetivamente anárquicas, inclusive, então, estas que jamais se adaptam ao esperado, e com o passar do tempo, mantêm hábitos considerados retrógrado às primaveras somadas.

Aí entra outro aspecto que já comentei em outros textos: a sensação de pertencimento. Vamos lá. Salvas exceções, é engraçado como muita gente aqui se vê como um outsider, pouco sociável, de autoestima instável, provavelmente baixa, e, obviamente, com um gosto que foge do comum. Eu já sei que o Adriano, Dougie e Sowon se enquadram em certas destas características. Eu, até demais.
Os fãs de Ryo.
E quando você se vê solitário, inapto socialmente, um dos artifícios tende a ser buscar refugo justamente onde se reconhecem outros espécimes semelhantes. Aquele colega que costuma andar sozinho nos intervalos. O grupinho menos pop da turma. Uma tribo desvalorizada e que ofereça conforto, empatia e compreensão.

É um escapismo. Escapismo da solidão, onde pode-se olhar para o lado, enquanto pula para garotas de 18 anos cantando besteiras, e ao invés de enxergar a desaprovação, enxergar um espelho.

O escapismo da chatice da vida comum. O supracitado senhor de 42 anos descreveu sua vida como "fácil e medíocre", sem vontade de se esforçar para mais, porém claramente frustrado. Assim, a juventude de Rio serve como uma canalização cósmica e fantástica (substantivo, não adjetivo) de sucesso e felicidade. Se sentir como tal. Se sentir parte de algo maior e melhor.

É estranho, veja comigo, como não costumamos sentir inveja destas celebridades. (Salvo exceções absurdas como as fãs que culparam Taeyeon e Krystal por namorarem membros do EXO, uma narrativa tão furada e mongoloide que me provoca o gaguejo.) Aí se criam os ídolos, e o seu sucesso é o nosso sucesso. Seu sucesso é o nosso orgulho. E não uma ofensa, como disse Tom Jobim.

Mas, em não assumir postura, abrem-se possibilidades para interpretações distintas. O sociólogo entrevistado sugeriu que Idols deveriam ser proibidas, como fator responsável pela queda da natalidade japonesa, em homens que se satisfazem em amores platônicos e inalcançáveis.

Há a urgência de se distinguir a vida ideológica com a real, por mais perversa que esta seja. Mas é uma ideia ultrajante e extrema a deste sociólogo. Já a jornalista chega a dizer que estes homens formados escolhem o amor por Idols inofensivas e que só exalam amor para fugir da vida cotidiana e idolatrar alguém que consigam sobrepujar sem resistência, o que, de fato, é de se pensar. A indústria nos manipula a um ponto em que chega ser difícil distinguir onde está a ficção e a realidade. Os eternos sorrisos nos palcos, MVs e realitys, a inocência e fofura. Algo muito bem descrito pelo MV como a "Adoração da Virgindade". Tanto é que existem as famosas  desprezíveis cláusulas anti-namoros, para manter a aura puritana e o senso de exclusividade por parte de cada fã. Há um claro perigo e nem tudo é saudável na relação, quanto mais quando crianças são sexualizadas no processo.

"Tokyo Idols" é enriquecedor justamente pela ampla gama que explora. Pode parecer doentio aos que assistem fora do contexto. Ou também hipocrisia, visto que poderíamos dizer que cantores e grupos Ocidentais também recebem seus acólitos fervorosos. E fora do universo musical também. Vejo o futebol como excelente exemplo. A particularidade nipônica está na intensidade de seu mercado e fãs, problemas em escalas sociais mais agravantes, mas não absolutamente condenáveis. É completo e fascinante de se conferir e refletir sobre, buscando sempre eliminar os preconceitos inerentes à nossa mentalidade.

Muitos aqui, a maioria juvenil, mas não se descartam os mais experientes leitores do blog, devem ter seus ultimates, bias. A pergunta é: você faria o mesmo? Onde está o limite?

Por favor, deixem suas opiniões sobre essa questão de fanatismo e suas relações com idade e aspectos psicológicos.



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