Uma Jornada Pessoal - Precisamos Debater 13 Reasons Why.


Em determinada cena de 13 Reasons, Hannah, à beira do precipício, busca um último refúgio no conselheiro encarregado de si na escola, o Sr. Porter. Ela tenta, na experiência do professor, encontrar alguma alternativa para sua situação, um pretexto para acordar novamente, mas com pouca convicção. Ela já se mostra decidida em sua escolha, e a conversa serve mais para confirmar em última instância a inescapabilidade de sua encruzilhada entre a morte e o tormento infindável em terra. O resultado é óbvio, inútil e irreversível; Hannah sai de sua sala para nunca mais retornar, e da mesma forma que o homem fora seu último diálogo em vida, é o nome que fecha as fitas dos porquês.

De certa forma, representativamente, a cena pode ser colocada em paralelo com o seriado como um todo e servir de exemplo para defini-lo: bem-intencionado, mas despreparado para a tarefa.

13 Reasons, a menos de um mês de sua estreia, se mostra um novo fenômeno da Netflix, com um furor tão alto que sobreviveu ao imediatismo contemporâneo e a lançamentos subsequentes de grande apelo comercial, principalmente o novo capítulo da franquia Velozes e Furiosos.

Isso poderia ser interpretado, positivamente, como uma conscientização generalizada acerca dos temas presentes na série, com ênfase no suicídio, depressão e os caminhos que levam a eles, assuntos estigmatizados na sociedade, mas de presença agravante no globo. Segundo a OMS, 5,8% dos brasileiros são diagnosticados com a enfermidade; média superior à mundial, calculada em 4,4% (322 milhões de pessoas). Dentro destes números, considerando o suicídio como ápice da doença, quando o ato de existir se torna insuportável a ponto de justificar a aceitação da morte, prevalecendo a busca pela quietação que ela trará, destaca-se que suicídio é a segunda causa de morte para pessoas entre 15 e 29 anos.

Mas estatísticas são frias. Suas dimensões, por mais hiperbólicas que sejam, não reverberam em nós como deveriam. Podem ser alarmantes, mas álgidas. Uma imagem, uma simples história significa muito mais do que vários zeros e percentagens, a despeito de suas significações. Os quadros abrangem e misturam, como um só, todos os que tiram sua vida deliberadamente. Uma ironia, então, que o suicídio seja absolutamente pessoal. 

E esta é uma de suas fraquezas; a subjetividade. A interpretação singular de um indivíduo perante o que lhe aparece no cotidiano. Por isso ouvimos - ou ouviram os malogrados ao tentarem se expressar -, com tanta frequência, os jargões que entrincheiram e vitimizam os que se descobrem reféns da depressão. "Você tem saúde, comida, braços, pernas, não tem motivo pra isso", "Isso é falta do que fazer", "Mas tu já tentou ser mais feliz?" São frases que soam ridículas, mas quem enfrentou a circunstância que descrevi acima dificilmente não terá escutado-as - ou derivações. 

Este tipo de reação pública, inclusive presente no círculo familiar e próximo da pessoa, a enclausuram. E, veja só, ela já se encontrava mentalmente enclausurada quando foi buscar auxílio naqueles que ama. "Se meus pais não entendem, quem irá? O errado sou eu." Se não surgir uma solução, o desespero findará para uma rua única, obscura e fechada, sem fuga. Ou, melhor, à fuga da vida.

Tudo isso para dizer que, sim, depressão e suicídio são temas sérios. Sérios demais. Até 2050, especula a OMS, será a segunda maior causa de morte do mundo. A hora de aprender e reconsiderar, então, é agora. 

E se cada vez mais aumenta o número de jovens e adolescentes que sofrem do problema, um seriado surge como a maneira perfeita de instigar o debate e englobar várias faixas-etárias em um único foco. Teoricamente, 13 Reasons Why poderia ser isto. Na prática, entretanto, os contras pesam tanto quanto - ou mais -, que os prós.

Que a história de Hannah, que findou sua existência após anos de pequenos detalhes que somaram-se em efeito bola de neve para se tornarem um peso incapaz de ser carregado pela garota, tem gerado comoção e atenção à causa, não há dúvidas. Nunca se debateu tanto sobre suicídio e depressão em horários e meios de comunicação variados. 

Entretanto, a maneira como 13 Reasons retrata e aborda o esquema pode, em contrapeso, transmitir uma ideia errônea e nociva sobre as consequências e proporções do ato, justamente pela fácil acessibilidade para públicos jovens. 

Como Hannah, adolescentes são o palco perfeito para a instalação da mazela. A idade das incertezas, do florescer físico e psicológico, uma arma ambulante e imprevisível. O período condizente com a desidealização paterna, quanto buscam outros ídolos e referências comportamentais. E a estudante, interpretada pela bela Katherine Langford, serve como um chamariz preocupante para isso.
 

Como supracitado, e reação a qualquer situação é pessoal. Nem todos recebem bem uma ruptura. Um boato falso pode erguer uma reputação que levará o sujeito a anos de tormento e humilhação. Uma perseguição motivada por questões físicas ou mentais que até então passaram despercebidas e irão, logo, causar estragos e vergonha na pessoa. Em larga escala, se não houver acompanhamento ou apoio. este acúmulo de baixa autoestima é uma bomba. Se já o é para os mais experientes, para quem entra em processo de maturação, pode ser irrecuperável. É nesta esfera temporal que se moldam psiques e comportamentos para uma vida. No contexto, pode criar sociopatas, seres revoltados e recalcados. E estes são os que sobrevivem. Pois há sempre a parcela que desiste, como fizera Hannah.

E os exemplos que citei, enfrentados pela menina, não soam tão banais à toa. Difícil é encontrar quem não os tenha enfrentado em período escolar. Em graus e responsividades diversas, recuperadas ou não, e para alguém - alguns -, Hannah se tornará uma modelo, uma representação de tamanho alcance para uma dor que, pensa a vitima, eu sofro sozinha. "Hannah me representa, me entende" Ela erige a posição de mártir. E justamente por isto, sua "bem-intencionada" jornada, que visa tanto mostrar os impactos que detalhes presumidamente insignificantes podem vir a acarretar, acaba a ter um itinerário pessimista.

No Making of, o criador da série diz como a mensagem final deve ser de que o suicídio não é a saída para nada. Nas páginas finais do livro, em uma curta entrevista, o autor Jay Asher deixa claro que seu trabalho tende a estimular um comportamento mais generoso e compreensivo das pessoas.

Isso é lindo e maravilhoso. Quase clichê, mas necessário, pois não é praticado. Parece absurdo que precisamos dizer tais palavras, mas nós, como raça, não fazemos isso aos outros. A tal ponto que, um ato moralmente obrigatório, como honestidade, se torna centro de discussões fervorosas e manchetes.

Entretanto, o que série e livro, em uníssono, expõem, contradiz suas demagogas palavras.

Sim, é possível tirar esta conclusão benevolente (Headspace Foundation e CVV tiveram aumento em seus atendimentos), mas reflita, você, como um jovem, de 12 ou 16 anos (não unicamente), em média, sentindo-se encurralado por tudo e por todos. Sozinho, vítima de bullying e sem ninguém a recorrer. Se caso a pessoa buscou auxílio e não conseguiu pelos motivos levantados no início do texto, levará a uma culpabilização cíclica de não ser bom o suficiente, prosseguida de solidão e abandonamento. Foi assim com Hannah. Ela buscou, mas não obteve retorno. De um a um, sentiu-se indefesa e desamparada. 

E se você achou alguma de suas razões exageradas e desproporcionais, é apenas um privilegiado que desconhece o desespero. Conforme avançava, Hannah sentia menos apego e resiliência. Ela encontrava-se destroçada e rumo ao desmoronamento definitivo. E quanto mais fundo, mais intenso será o menor dos golpes. Até gritar chega.  

Se eu tenho esse discernimento, é natural pensar que autor, roteiristas e demais envolvidos na adaptação audiovisual tenham ainda mais, afinal, é uma grande responsabilidade em mãos. Mas não, pois o desenvolvimento de 13 Reasons, assim como seu simples molde, são recheados de gatilhos e brechas interpretativas que servem de ímã para almas perturbadas. Hannah, a sofredora (não leia isso pejorativamente), após não aguentar mais, deixa, como ato final em expurgo de seus demônios, um atestado em bom som que entrega àqueles que a levaram para o sepulcro. Uma palavra para isto: vingança.

É provável que, passados mais de 20 dias, você já tenha lido algo sobre, mas é impossível desviar do termo. Pois as ações de Hannah emulam uma clássica vendeta. E esta ideia, por si só perniciosa e precipitada, pode plantar uma semente errônea e romantizada em quem se identifica com a moça. Uma maneira de obter revanche contra quem arruinou sua vida. 

A resposta não está aí. Também não está exclusivamente no amor, como na passagem onde Clay diz que matou Hannah por ter medo de amá-la. Amizade e carinho são de valor inestimável. Mas para isso, deve-se quebrar o preconceito. E também não esqueçamos de terapia e medicação. Fica feio colocar isso num seriado Pop, não é? Perde o brilho. Mas na vida real, é assim. Não se pode idealizar algo que acaba precocemente com nosso bem mais precioso, a vida.

"Não mostrar a morte seria a coisa mais irresponsável a se fazer", disse Nic Sheff, um dos roteiristas. Alguém muito melhor capacitada e instruída que eu pensa o contrário. 

Não é uma opinião pessoal, e sim um fato: a veiculação ou divulgação de um suicídio pode inspirar pessoas que pensam no assunto — Carmita Abdo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
Falo, é claro, da cena final, minuciosamente filmada, onde Hannah pratica seus derradeiros movimentos. O objetivo, segundo os desenvolvedores, era retratar o suicídio como algo horrendo e doloroso. Curioso que tenham escolhido, então, um cenário limpo e celestialmente branco, e conforme Hannah assume um olhar sereno e pacífico de quem se despede deste maculado mundo, a câmera se afasta e a retrata em meio ao ambiente em uma simbolização semiótica de paz. "Morte é a única saída", parece berrar a mise-en-scène

Não questiono, aqui, o caráter da equipe. Óbvio que o show não é uma ode à autoquíria. Como eu disse, é bem-intencionado. Mas por dentro das melhores intenções, quanto mais nas praticadas com inocência e desconhecimento, podem residir dubiedades perversas. 

13 Reasons é um espécime impecável disto. De superficialidade bonita, com seu elenco esbelto e talentoso, trilha sonora melancólica e linguagem moderna. De positivo, fica o buzz gerado. Mas para que funcione, o alarde não pode se restringir e muito menos se sustentar no choque, pois assim serviria apenas como produto comercial. É sintomático e pessimista, então, que muitos parecem ter extraído de seu conteúdo apenas a vivacidade estética dos jovens atores e inspiração para simulacros cômicos

Acrescente a isso a infeliz e gratuita sugestão de uma segunda temporada, resvalada em outro mal juvenil - os genocídios escolares. A conjuntura parece pender para o monetário, para o impensado espetáculo do baque.

E para mudarmos a perspectiva acerca de temas tão delicados, não se pode haver estes deslizes na execução. Jamais.


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